segunda-feira, 31 de maio de 2010

Crônica Urbana #1


Faziam doze graus quando caíra a metade da noite.
Na calçada fria da João Cândido, hibernava o pobre menino. Tinha uns doze anos, um metro e cinquenta mais ou menos, e trajava um roto all-star "meio que sem sola"...

Faziam doze graus quando caíra a metade da noite.
Logo ali a frente, na mesma calçada, embebedava-se o "pobre" menino rico. Tinha uns 19 anos, não mais, um metro e setenta, por aí, e, dirigia um golf preto de seu pai...

Tentava dormir o pequeno menino, enquanto o frio o consumia... e o barulho dos carros o atordoava... Sabia (sobre)viver, mesmo solitário. Fazia da vida sua luta, e entre malabarismos com limões no sinais da JK, e "aviões", comemorava mais um dia no mundo dos vivos.

Tentava ludibriar uma morena, o rico menino, dizia-se estudante de direito, e microempresário, jurava de pé junto, que o carro lá fora foi adquirido com o próprio suor... e entre "isca de frango" e algumas bohemias, conquistava ao pouco a "inocente" menina mais velha.

Tremia de frio o pequeno sem blusa, rolava entre a calçada "arrevirando" assim os pedaços de papelão que havia coletado para ser sua cama naquela noite. Coçava a cabeça por que tinha alguns piolhos, e balbuciava algo incompreendido. Protegia entre as pernas a "trouxa" de bugigangas e trapos que levava consigo.

Tirava a blusa de lã vermelha da gucci o aspirante a juíz, o sertanejo rolava, e suas pernas não queriam parar. Puxava a morena, cuja qual se esquecera de perguntar o nome, de um lado para o outro, e tentava-lhe roubar um beijo. Protegia o i-phone que insistia em querer cair do bolso da calça.

Faziam cinco graus quando o bar decidiu fechar-se.

Contuniava a cochilar o menino que tentava dormir, e ainda tremia, ou melhor, tremia mais. Sentia-se um mero "invisível cidadão", aliás, que direito tinha de sentir? Era só uma mancha na calçada, um obstáculo a ser "pulado".

Tentava "acordar" o bêbado menino. Recusava a carona dos amigos, e em sua auto-suficiência, pensava que daria "conta" da morena sem nome, mesmo após ter bebido tanto. Entrava em seu carro, ligava o ar quente e tentava lembrar de algum motel bom para impressionar a moça que se impressionava com o que ele "tinha".

Morria o menino pobre, que tentava dormir na calçada fria, que tinha uns doze anos e não chorava, que repousava em caixas de papelão abertas, e calçava um roto all-star "meio que sem sola". partia dessa para melhor.

Sangrava o motorista do golf preto, tentava entender o que se passava, mas estava mais pra lá do que pra cá. Tentava procurar a morena que levaria para o motel, mas essa fora arremessada pelo pára-brisas, a uns cinco metros do menor que tinha sido estraçalhado pelas rodas do carro enquanto dormia.

Faziam cinco graus enquanto policiais identificavam a menina por: Renata Aparecida Carrazzo.

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