segunda-feira, 31 de maio de 2010

Crônica Urbana #2


Nicolau, acordou cansado...
Não era sono, nem fadiga, seu problema era moral. Nicolau era otário, ao menos queriam que ele se sentisse assim, e conseguiram...
Planejou tudo, a hora e o local, estava mesmo decidido a dar um fim naquilo. Seus olhos demonstravam todo seu conflito, o medo, o nó na garganta que quase o sufocava. De sua testa, partiam gotas de suor andarilhas, que quase congelavam ao serem repelidas por sua mão gélida. É, Nicolau cansou-se, toda dor se findaria.

Vestiu seu uniforme, adentrou o lotação, encontrou seu parceiro de trabalho...

- Foi a última vez, que me chamaram de otário! Bradou Nicolau logo após desejar bom dia ao amigo.

Chegando ao destino final, vista grossa ao traficante, Setecentos e cinquenta pra cada. Morria ali, um policial honesto.

Crônica Urbana #1


Faziam doze graus quando caíra a metade da noite.
Na calçada fria da João Cândido, hibernava o pobre menino. Tinha uns doze anos, um metro e cinquenta mais ou menos, e trajava um roto all-star "meio que sem sola"...

Faziam doze graus quando caíra a metade da noite.
Logo ali a frente, na mesma calçada, embebedava-se o "pobre" menino rico. Tinha uns 19 anos, não mais, um metro e setenta, por aí, e, dirigia um golf preto de seu pai...

Tentava dormir o pequeno menino, enquanto o frio o consumia... e o barulho dos carros o atordoava... Sabia (sobre)viver, mesmo solitário. Fazia da vida sua luta, e entre malabarismos com limões no sinais da JK, e "aviões", comemorava mais um dia no mundo dos vivos.

Tentava ludibriar uma morena, o rico menino, dizia-se estudante de direito, e microempresário, jurava de pé junto, que o carro lá fora foi adquirido com o próprio suor... e entre "isca de frango" e algumas bohemias, conquistava ao pouco a "inocente" menina mais velha.

Tremia de frio o pequeno sem blusa, rolava entre a calçada "arrevirando" assim os pedaços de papelão que havia coletado para ser sua cama naquela noite. Coçava a cabeça por que tinha alguns piolhos, e balbuciava algo incompreendido. Protegia entre as pernas a "trouxa" de bugigangas e trapos que levava consigo.

Tirava a blusa de lã vermelha da gucci o aspirante a juíz, o sertanejo rolava, e suas pernas não queriam parar. Puxava a morena, cuja qual se esquecera de perguntar o nome, de um lado para o outro, e tentava-lhe roubar um beijo. Protegia o i-phone que insistia em querer cair do bolso da calça.

Faziam cinco graus quando o bar decidiu fechar-se.

Contuniava a cochilar o menino que tentava dormir, e ainda tremia, ou melhor, tremia mais. Sentia-se um mero "invisível cidadão", aliás, que direito tinha de sentir? Era só uma mancha na calçada, um obstáculo a ser "pulado".

Tentava "acordar" o bêbado menino. Recusava a carona dos amigos, e em sua auto-suficiência, pensava que daria "conta" da morena sem nome, mesmo após ter bebido tanto. Entrava em seu carro, ligava o ar quente e tentava lembrar de algum motel bom para impressionar a moça que se impressionava com o que ele "tinha".

Morria o menino pobre, que tentava dormir na calçada fria, que tinha uns doze anos e não chorava, que repousava em caixas de papelão abertas, e calçava um roto all-star "meio que sem sola". partia dessa para melhor.

Sangrava o motorista do golf preto, tentava entender o que se passava, mas estava mais pra lá do que pra cá. Tentava procurar a morena que levaria para o motel, mas essa fora arremessada pelo pára-brisas, a uns cinco metros do menor que tinha sido estraçalhado pelas rodas do carro enquanto dormia.

Faziam cinco graus enquanto policiais identificavam a menina por: Renata Aparecida Carrazzo.

Que tipo de homem é você?


Saiu desesperado de casa, ainda dobrando as mangas da camisa, quase esquecera do maço de cigarros que estava em cima da penteadeira.
Esperava impaciente pelo elevador, e pensara em descer pelas escadas, e perdido em sua indecisão, ouve o tilintar da porta que se abria em sua frente.
Achava-se com tempo para escolher um cd de pancadão, esquecendo-se que já se passavam dez minutos da hora combinada em encontrar-se com Cecília.
Dirigia apressado, sem respeitar sinais fechados ou pedestres, atirou água com a roda direita dianteira em uma senhora que voltava da igreja, passou em frente a farmácia,
ao mercado, a um velório e a um hospital, sem se importar em abaixar o volume do cd player, Mc Serginho era mais importante que todos que estavam fora do veículo.

Cecília coitada, esperara por 25 minutos, sentada em trono de solidão junto a mesa do bar, fizera até mesmo amizade com um dos garçons, pois o mesmo a atendera educadamente.
Levantou-se, foi ao toalete, retocou a maquiagem, olhou-se mais uma vez no espelho, balançou com as mãos seu encaracolado cabelo, e ensaiou um: Olá tudo bem?
Assim era e menina-mulher, elegante, robusta, linda mas insegura. Não sabia o que era ouvir um elogio repentino, talvez um "ode" à sua beleza, ou até mesmo a cor do esmalte que escolhera.
Cecília era comprada, e seu coração jazia em solidão. Podia ter todo homem que quisesse, e relutava, não ousava perder sua essência diferencial, ao contrário, queria ser conquistada e não conquistar.
Tudo o que queria era despir-se das jóias, dos presentes caros que eram fabricados de tecido, desarrumar o penteado, e entregar-se a um homem somente, não de corpo, mas sim de alma.

Chegou o atrasado rapaz. Aliás, rapaz? Já era um adulto que beirava os 28, mas suas atitudes eram tão infantis, e seus gostos tão manipulados, que não se podia chama-lo: Homem.
Cecília fitou-o, levantou-se e esperando uma atitude nobre, decepcionou-se ao sentir seus quadris envoltos por braços alheios. Calou-se, mas pensou: Com qual autoridade ele chega assim?
Nem para puxar a cadeira serviu, sentou-se deixando-a a mercê de seu esforço, e logo bradou: Garçom, traz uma cerveja e o que ela quiser. Cerveja? Em um primeiro encontro?
A senhorita não entendia o que se passava naquela hora, esperava algo diferente, mas tinha exatamente o que sempre tivera, um homem bem sucedido, profissionalmente apenas.

(Allen Cristhian - Londrina - 28/01/10)

"Nosce te ipsum"

Como entender aquilo que penso de forma primorosa?

Clarisse Lispector, com sua eloqüente falácia acerca daquilo que é óbvio em demasia que me perdoe, mas, ao afirmar não saber quem era, declarou-se ingênuamente incapaz de aprofundar-se ao universo humano. Louros para Sócrates: "Nosce te ipsum".

Eu sou eu, apenas isso, Allen Cristhian, ou somente Allen se preferir. Sou aquele cara pacato que fuma seu cachimbo na entrada do bar, o homem desantenado, sempre o póstumo a conhecer os maiores sucessos barulhentos das últimas horas. Música não é o que se faz hoje, penso eu; música é aquilo que tomei para mim: Bossa Nova, Jazz, Blues, Samba (Aquele que Noel cantava), a arte de Chopin, e uma pitada do bom e velho Rock And Roll. Eu sou o inquisitor dos tempos modernos, o algoz dos "a-poetizados", aquele quem em dúvida lança a mesa uma carta marcada, denominada: Por quê?

Eu sou aquele homem envolto na lava vezuviana do tempo, petrificado por toda a eternidade em uma época que já se fora, preservado como troféu dos caprichos de Deus nos dias de hoje. O Amargo e o doce.
Eu sou aquele que vai sentar-se na távola das tavernas contigo e flutuar nas pautas da ignorância quando lhe ouvir dizer acerca dos tunnings de sua carruagem, e ainda, aquele que não moverá um músculo da face quando seus gladiores tricolores, alvi-negros ou "rubro-verdes", triunfarem em suas arenas.

Eu sou aquele que enxergas espelhos em certos caprichos e arrogâncias, mas que derruba lágrimas em dores alheias. Eu sou a o grão que entope o canal da ampulheta, e o espinho na carne dos clérigos. Espero o negativo para surpreender-me e valorizar em demasia as virtudes eminentes que surgem iminentes em outem. Sou oriundo do alfa, e espero estar distante do ômega. Amo o infinito do meu relógio de bolso, e, anseio dar muitas e muitas cordas no mesmo.

Qual a graça do uísque retirado de tonéis novos? O homem apenas amadurece quando se permite envelhecer, é claro, não nescessariamente dançando o tango tocado pelo bandoneon de Chronos.
O fruto deleitoso do cachimbo é a arte de manusear; Limpar sua piteira, seu filtro, amaciá-lo, entender dos tipos de tabaco e em quais ocasiões os saborear; Assim sou eu com meu ofício, faço pois me dá prazer.

Tão jovem, tão velho, nuances do menino-homem que sou, quando faço a dança da chuva para ir dançar lá fora quando ela caír. Prazeres meus, um aspirante a "velho", perdido sem desejos de encontrar-se em crimes e castigos, guerras e paz.
Encatado menino que sou ao ter aprendido a respeitar tesouros que tornaram-se invisíveis a grande parte de minha geração. Meu combustível é o amor pelas palavras de Neruda, o respeito pela sabedoria de Galeano, o "brasileirismo" que herdei de um Ariano residente em Recife. O meu eu é constituído de saber aquilo que sei, coisas simples, como reconhecer o bigode de Toquinho, entender quando "Vininha" apresentava-se munido de uísque e não o oferecia a sua platéia, saber rir-se dos tiques do "Tonzinho", jubilar com o canto de Ossanha, e extasiar-me ao ver o velho Chico brincando com nosso idioma, como se fosse autorama e pogobol.

Os Titãs "gloriosos" de minha geração que me absolvam pelo que hei de dizer; mas vejo-os marchando para uma batalha perdida, como cabras rumando ao abatedouro. Não sabem que Zeus os espera? Confiam demais em sua aparência, e no que dizem os magos das caixas de imagens. Não se iludam com as mentiras desses homens, assim certamente vos falaria Zaratustra. Apeguem-se ao que é real nas tribunas diárias, mas pensem por vocês, não sigam o caminho daqueles que vos escrevem coisas contrárias as que os sábios do passado vos escreveram, o ofício dos mesmos não é movido pela "arte de manusear", e sim por denários e punhados de sal. Polemizem contra aquilo que julgam estar em desacordo comum, se é individual perdoem, "problema é dele", mas se coletivo, manifestem-se. Meninos, que não se permitem "envelhecer", penso que não enxergam os monocromáticos tons de suas artes preferidas, não percebem que as mesmas perderam a cor? Suas melodias já não falam de amor, mas sim de ódio, seus poemas desbotaram. Meninos, vocês trocaram o futebol com traves confeccionadas de havaianas no asfalto quente por arcades violêntos, não percebem que isso envenena não só a vocês, mas também a outros que um dia hão de achar normal se fores assassinados?

"Nosce te ipsum" - Nescessário é, conhecer a ti mesmo, para assim então, entender de todos nós.

Eu sou apenas eu, Allen Cristhian, ou Allen se preferir.


(Allen Cristhian - 23 de Março de 2010 - Londrina / PR - Brasil)